segunda-feira, 18 de maio de 2009

Recordações da Adega Medieval

Meu caro Ucha,

Se você não existisse, certamente teria de ser inventado. Acabamos de receber seu Blog do dia 15/05 que nos encheu de alegria e saudades ao mesmo tempo que, por paradoxal que possa parecer, foi assim que nos sentimos ao ler a notícia de que a nossa amiga Marcela Duarte que carinhosamente você chama de Marcelinha, havia publicado no Correio do Povo, uma reportagem recuperando a imagem do velho Oscar e sua Adega Medieval em Viamão-Rs.
Aproveito para enviar anexo cópia de uma matéria que publicamos no jornal Correio da Paraíba em 25.03.2007 rememorando histórias das fraternas relações que mantivemos por vários anos com o queridíssimo Oscar, que temos certeza você gostará de conhecer.
Como estamos enviando cópia desta correspondência para Marcelinha, certamente receberemos muito em breve cópia por inteiro do seu trabalho que ficamos ultra curiosos em conhecer. Nos queiram bem...
Gizêlda e Joel Falconi
Em tempo: Vamos mandar cópia à cinco dos componentes do Grupo dos sete que levamos à Adega Medieval em Fev/1984. Os outros dois há algum tempo estão junto ao velho.
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Eis o texto de Falconi em 2007:

O ÚLTIMO TEMPLÁRIO


Exatamente na semana de lançamento do Plano Cruzado pilotado pelo ex. ministro Dilson Funaro, encontravam-nos em Porto Alegre concluindo uma excursão com 12 casais paraibanos que nos levara a Serra Gaúcha, à zona das Missões e a região da Campanha na fronteira com o Uruguai, visitando inclusive os vinhedos e a adega da Almadén, recém inaugurada no município de Santana do Livramento.
Da capital gaúcha agendamos uma visita a Oscar Guglielmone, um verdadeiro templário defensor do vinho brasileiro, proprietário da Adega Medieval localizada em Viamão a uns vinte quilômetros de Porto Alegre. Éramos apenas sete homens, pois os restantes com todas as mulheres do grupo programaram um ataque às lojas da capital, começando pela J. H. SANTOS da qual era diretor o nosso amigo Fúlvio Santos e ficava vizinha ao Hotel Plaza San Rafael onde estávamos hospedados. Vocês leitores podem imaginar a confusão que essa equipe de compristas compulsivos aprontou nas lojas visitadas onde um “câmbio” novo de uma moeda desconhecida entrava em vigor com preços “congelados”, fiscais da Sunab querendo prender lojistas e aparecer nos noticiários das TVs, sem que compradores e vendedores entendessem por completo as regras de uma mágica heterodoxa muito mal divulgada em seu início.
Os que foram a Viamão tiveram uma tarde agradabilíssima. Oscar sempre foi um grande anfitrião. Depois de mostrar seus vinhedos em uma área de apenas quatro hectares, visitamos detidamente a sua cantina, para somente após reunirmo-nos num galpão rústico da sua propriedade, onde fomos provar seus vinhos varietais de Merlot, Cabernet-Franc, Gammay e Riesling, além de um Nebbiolo, famosa uva do Piemente adaptada muito bem ao clima de Viamão, tudo acompanhado com queijos, copas, salames, pão e muito boa conversa, convertida numa verdadeira aula de enologia proferida por um mestre devotado a Bacco e ao Vinho.
O velho Oscar, além de obstinado e sábio, era meio poeta. Criou alguns dos melhores vinhos brasileiros daquela época e, já então, quando todo mundo tinha dúvidas, ele demonstrava a sua crença na vinicultura do Vale do São Francisco, afirmando naquela ocasião que “se fosse mais novo mudaria para o Nordeste” o que foi testemunhado por Josélio Paulo Neto, José Faria Neves, Roberto Ciraulo, Geraldo Patrício, Garibaldi J. Sousa entre outros; todos impressionados com o saber do vinhateiro, cujos vinhos sempre foram elaborados com acurada preocupação enológica e muita garra, que ele utilizava para compensar a pequena estrutura de produção e comercialização. Entrincheirado em uma romântica adega de pedra, Guglielmone mais de uma vez terçou armas desiguais com grandes empresas do ramo, inconformadas com o sucesso dos seus vinhos quase artesanais, sempre destacados nas primeiras olimpíadas de vinhos promovidas no Brasil.
Nascido numa família de sucessivas gerações de vitivinicultores com passagem pela Itália e pelo Uruguai, orgulhava-se de mostrar os prêmios e medalhas que recebia. Foi assassinado em 1993 durante um brutal assalto no mesmo templo de pedra (sua adega) que edificou com suas próprias mãos e todo o seu carinho, para criar, guardar e acalentar seus vinhos, suas lembranças e recordações, onde seguramente seu espírito já morava.
Oscar com quem durante vários anos falávamos por telefone, era acima de tudo um homem simples e bom. Além de vinhateiro era um dedicado Sacerdote do Vinho que muito influenciou uma geração de escrevinhadores do vinho entre os quais, orgulhosamente e com imodéstia, nos incluímos.
Nunca esquecemos sua frase num telefonema que nos fez num domingo pela manhã, um pouco antes da sua morte: “Falconi, acabei de abrir uma barrica de um Riesling Renano que está tão bom que estou maravilhosamente embriagado de tanto que provei. Quantas garrafas quer que lhe mande?”.

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